Saturday, January 29, 2011

QUATRO CINCO SETE


Depois que este blog foi reformulado, passei a ter algumas ressalvas em postar textos de outras pessoas aqui, com exceção de pequenos trechos que agora brotam no início de cada novo assunto.
Porém, em virtude da semana em que a maravilhosa São Paulo faz seus quatrocentos e cinquenta e sete anos, resolvi abrir uma exceção e veicular um texto do publicitário Washington Olivetto que parece ilustrar tão bem uma singela homenagem a essa cidade que, na verdade, mais parece uma Esfinge (ou você a decifra, ou ela te engole):

"Alguns dos meus queridos amigos cariocas têm a mania de achar São Paulo parecida com Nova York. Discordo deles. Só acha São Paulo parecida com Nova York quem não conhece bem a cidade. Ou melhor, quem a conhece superficialmente e imagina que São Paulo seja apenas uma imensa Rua Oscar Freire.

Na verdade, o grande fascínio de São Paulo é parecer-se com muitas cidades ao mesmo tempo e, por isso mesmo, não se parecer com nenhuma.

São Paulo, entre muitas outras parecenças, se parece com Paris no Largo do Arouche, Salvador na Estação do Brás, Tóquio na Liberdade, Roma ao lado do Teatro Municipal, Munique em Santo Amaro, Lisboa no Pari, com o Soho londrino na Vila Madalena e com a pernambucana Olinda na Freguesia do Ó.

São Paulo é um somatório de qualidades e defeitos, alegrias e tristezas, festejos e tragédias. Tem hotéis de luxo, como o Fasano, o Emiliano e o L´Hotel, mas também tem gente dormindo embaixo das pontes. Tem o deslumbrante pôr-do-sol do Alto de Pinheiros e a exuberante vegetação da Cantareira, mas também tem o ar mais poluído do país. Promove shows dos Rolling Stones e do U2, mas também promove acidentes como o da cratera do metrô e do avião da TAM em Congonhas.

São Paulo é sempre surpreendente. Um grupo de meia dúzia de paulistanos significa um italiano, um japonês, um baiano, um chinês, um curitibano e um alemão.

São Paulo é realmente curiosa. Por exemplo: tem diversos grandes times de futebol, sendo que um deles leva o nome da própria cidade e recebeu o apelido "o mais querido", mas, na verdade, o maior e o mais querido é o Corinthians, que tem nome inglês, fica perto da Portuguesa e foi fundado por italianos, igualzinho ao seu inimigo de estimação, o Palmeiras.

São Paulo nasceu dos santos padres jesuítas, em 1554, mas chegou a 2007 tendo como celebridade o permissivo Oscar Maroni, do afamado Bahamas.

São Paulo já foi chamada de "o túmulo do samba" por Vinicius de Morais, coisa que Adoniran Barbosa, Paulo Vanzolini e Germano Mathias provaram não ser verdade, e, apesar da deselegância discreta de suas meninas, corretamente constatada por Caetano Veloso, produziu chiques, como Dener Pamplona de Abreu e Gloria Kalil.

São Paulo faz pizzas melhores que as de Nápoles, sushis melhores que os de Tóquio, lagareiras melhores que as de Lisboa e pastéis de feira melhores que os de Paris, até porque em Paris não existem pastéis, muito menos os de feira.

Em alguns momentos, São Paulo se acha o máximo, em outros um horror. Nenhum lugar do planeta é tão maniqueísta.

São Paulo teve o bom senso de imitar os botequins cariocas e agora são os cariocas que andam imitando as suas imitações paulistanas. São Paulo teve o mau senso de ser a primeira cidade brasileira a importar o CowParade, uma colonizada e pavorosa manifestação de sub-arte urbana, e agora o Rio faz o mesmo. São Paulo se poluiu visualmente com a CowParade, mas se despoluiu com o Projeto Cidade Limpa. Agora tem de começar urgentemente a despoluir o Tietê para valer, coisa que os ingleses já provaram ser perfeitamente possível com o Tâmisa.

Mesmo despoluindo o Tietê, mantendo a cidade limpa, purificando o ar, organizando o mobiliário urbano, regulamentando os projetos arquitetônicos, diminuindo as invasões sonoras e melhorando o tráfego, São Paulo jamais será uma cidade belíssima. Porque a beleza de São Paulo não é fruto da mamãe natureza, é fruto do trabalho do homem. Reside, principalmente, nas inúmeras oportunidades que a cidade oferece, no clima de excitação permanente, na mescla de raças e classes sociais.

São Paulo é a cidade em que a democratização da beleza, fenômeno gerado pela miscigenação, melhor se manifesta.

São Paulo é uma cidade em que o corpo e as mãos do homem trabalharam direitinho, coisa que se reconhece observando as meninas que circulam pelas ruas.

E se confirma analisando obras como a do Pátio do Colégio (local de fundação da cidade), a Estação da Luz (onde hoje fica o Museu da Língua Portuguesa), o Mosteiro de São Bento, a Oca, no Parque do Ibirapuera, o Terraço Itália, a Avenida Paulista, o SESC Pompéia, o palacete Vila Penteado, o MASP. O Memorial da América Latina, a Santa Casa de Misericórdia, a Pinacoteca e mais uma infinidade de lugares desta cidade que não pode parar, até porque tem mais carros do que estacionamentos.

São Paulo não é geograficamente linda, não tem mares azuis, areias brancas nem montanhas recortadas. Nossa surfista mais famosa é a Bruna, e nossos alpinistas, na maioria, são sociais.

Mas, mesmo se levarmos o julgamento para o quesito das belezas naturais, São Paulo se dá mundialmente bem por uma razão tecnicamente comprovada. Entre as maiores cidades do mundo, como Tóquio, Nova York e Cidade do México, em matéria de proximidade da beleza, São Paulo é, disparado, a melhor. Porque é a única que fica a apenas 45 minutos de vôo do Rio de Janeiro, e o mais importante é que, com essa distância, nenhuma bala perdida pode alcançar São Paulo!"

Parabéns São Paulo, ainda que um pouco atrasado. A propósito, ainda que o texto não seja de minha autoria, a foto acima foi tirada por este que vos escreve, numa tentativa de retratar a capacidade paulistana de, em um mesmo dia, possuir as quatro estações do ano.

Thursday, January 20, 2011

EVITANDO A CONTINUAÇÃO DO TOTALITARISMO

"O homem não sabe que tudo é possível"
(Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo)

Em uma postagem anterior, (in?)felizmente apagada, manifestei meu apreço ao cinema nacional, confirmado mais uma vez quando assisti, novamente, a "Anjos do Sol". Porém, sem deixar de ser nacionalista, também ve
jo com bons olhos as produções europeias.
Muito bem cuidados do ponto de vista visual e quanto aos roteiros, porém com uma densidade experimental interessante, os filmes europeus podem não agradar a todos, principalmente aqueles acostumados com as produções norte-americanas que fogem ao estilo "cinema independente". Contudo, os que se interessam por novas experiências irão se surpreender com a qualidade do que é exibido atualmente.
Digo isso porque, nos últimos tempos, dois filmes chamaram a atenção. Eles já saíram de cartaz dos cinemas há tempos e, inclusive, já podem ser encontrados em cartaz na TV a Cabo (a TV aberta, infelizmente, não se interessa por títulos como esses, à exceção da TV Cultura, que está fazendo um ótimo trabalho ao exibir os filmes que foram exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo - mas discutir esta iniciativa rende um post inteiro). Trata-se, na verdade, das obras "Les Termoines" e "A Onda".
O primeiro, de origem francesa, passa-se em 1984 e utiliza como base a história de um jovem (Manu) para relatar a origem da AIDS. O filme é dividido conforme as estações do ano, cada uma representando um estágio da evolução da doença do protagonista. É muito interessante analisar como eram tratados os portadores de um vírus até então desconhecido, em um momento no qual não havia muito o que fazer por eles (lembre-se, inclusive, que a AIDS, no início, também foi chamada de "Peste Gay").
Já o segundo, de origem alemã, conta a história, baseada em fatos reais (curiosamente ocorridos nos Estados Unidos), de um professor de Ciência Política de uma escola secundária (Rainer Wegner) que é escolhido para ensinar aos alunos sobre "autocracia". Para tanto, ele propõe aos alunos a criação de um movimento que estaria sob a sua direção: com base nele, instituiu-se qual seria a disposição dos alunos na sala, o vestuário, a saudação, o nome ("A Onda"), etc. Entretanto, essa experiência ultrapassou o ambiente escolar e causou consequências imprevisíveis.
É um filme interessante porque demonstra a facilidade com que os movimentos autocráticos e totalitários, que muitos pensam estarem extintos e reservados apenas a determinados períodos históricos, podem se desenvolver em ambientes democráticos. Além disso, mostra a força de "sedução" que os elementos de propaganda utilizados por esses regimes (roupas, saudações, discursos, encontros, etc.) e por seus líderes carismáticos produzem nos seus seguidores. Enfim, um filme para se pensar e para ajudar a manter acesa a eterna batalha pelas liberdades democráticas.

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Um último adendo: ao que parece, é possível pensar que existe uma leve esperança. Foi aberto o processo de tombamento do Cine Belas Artes pelo Conpresp. Ainda que isso, a princípio, não impeça a saída do cinema do local, pelo menos o processo consegue impedir a alteração do prédio por um tempo. Ou seja, talvez haja uma luz no fim do túnel.

Monday, January 10, 2011

A ÚLTIMA DANÇA DO BELAS ARTES


Depois das festividades do Natal e do Ano Novo (a propósito, feliz 2011 para aqueles que acompanham estes escritos), eis que, na primeira semana de Janeiro, surge a notícia: o Cine Belas Artes, ao que tudo indica, fechará as portas para sempre.
Para aqueles que não conhecem o espaço e a sua história, o Belas Artes surgiu nos anos sessenta e, desde àquela época, permanece no mesmo lugar na Rua da Consolação, perto do cruzamento com a Avenida Paulista. Um dos poucos cinemas "de rua" que ainda existem na região, ao lado do Espaço Unibanco, do Reserva Cultural e do extinto Gemini, e tentam competir, a todo custo, com a invasão dos multiplex e sua salas Imax, o Belas Artes possui uma programação diversificada e voltada para diversos gostos, principalmente daqueles que procuram filmes independentes e com vocação conceitual.
Ainda que não tivesse as melhores salas do mundo (observação estranha feita por alguns críticos), o espaço era muito frequentado por pessoas dos mais variados tipos. Lá ainda é (pelo menos antes de fechar) possível ver o belíssimo "Medos Privados em Lugares Públicos". Além disso, os verdadeiros cinéfilos podiam se aventurar no "Noitão", programação mensal de filmes na qual três filmes eram exibidos durante toda a madrugada e ao fim dos quais era servido um café da manhã (ou seja, uma experiência memorável).
Porém, a despeito de tudo isso, os herdeiros do dono do local anunciaram aos proprietários do Belas Artes que desejavam o prédio para, no futuro, instalarem uma loja. Dessa forma, o último rolo será rodado no dia 27 de Janeiro e, mais uma vez, um ícone da cultura paulistana morre para dar lugar ao consumismo desenfreado e à política das ofertas monetárias mais vantajosas.
Ainda que os proprietários não tenham esperança, é importante que pensemos que um possível milagre ocorrerá nos últimos minutos e mostrará uma luz no fim do túnel, nem que seja para noticiar que o Belas Artes continuará em novo local. Não será a mesma coisa (afinal, não se apagam mais de quarenta anos de história de uma hora para a outra), porém, isso pode representar um símbolo de que a resistência ainda sobrevive.
"Ao peso dos impostos, o verso sufoca" (Ferreira Gullar, Agosto 1964).

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Mudando de assunto: sei que já faz um mês que a série acabou, mas, para os curiosos, uma sugestão de acesso no YouTube é "Clandestinos: O Sonho Começou", série inspirada na peça homônima de teatro escrita e dirigida por João Falcão. Para aqueles que não conhecem, aqui vai uma chamada (atenção para a música "Sujeito de Sorte", em sensacional arranjo da banda Vermelho 27):